domingo, 21 de setembro de 2008

Apolônio de Carvalho: aliando luta e leveza

Marcelo Mário de Melo

Apolônio de Carvalho teve uma vida com vários roteiros. E uma vida envolvida em importantes acontecimentos da história do Brasil e do mundo, nos quais ele sempre esteve combatendo ao lado das forças democráticas e socialistas. Começou na Academia Militar, no Rio Grande do Sul, como tenente do Exército Brasileiro, integrando-se à Aliança Nacional Libertadora, vertiginoso movimento democrático-popular em nome do qual eclodiu o levante militar revolucionário de 1935. Atingido pela repressão, Apolônio foi recolhido a um presídio político no Rio de Janeiro. Libertado, alistou-se nas Brigadas Internacionais, na Espanha, onde atuou como comandante em inúmeras batalhas. Com a derrota da República espanhola, atravessou a fronteira e passou a viver na França num campo de refugiados, em regime de semi-prisão. Com a ocupação pelos nazistas, integrou-se ao PC Francês e à resistência francesa, onde chegou a comandar 2.000 homens e foi responsável pela libertação de duas regiões.

Na França Apolônio conheceu Rennée, jovem militante de uma família de comunistas que atuava no transporte de explosivos e em outras missões, com quem teve dois filhos, nas alternâncias do amor e da guerra. Com a onda democratizante do pós-guerra e a queda da ditadura Vargas no Brasil, o Partido Comunista na legalidade, Apolônio regressa e vai dirigir a União da Juventude Comunista. Estamos em 1945. Em 1947 o PC é posto na ilegalidade e a UJC dissolvida. Em seguida, os deputados comunistas têm os mandatos cassados. Novamente, Apolônio mergulha na clandestinidade, cumprindo tarefas organizativas determinadas pelo Comitê Central.

Em fins da década de 50 e até meados da década de 60, quando o PCB viveu um clima de semi-legalidade, integrando o seu Comitê Central, Apolônio ministrava cursos de marxismo em todo o país e era responsável por uma coluna no jornal Novos Rumos, onde respondia a indagações teórico-políticas dos militantes. Com o golpe militar que implantou a ditadura no Brasil em 1964, ele se coloca na ala esquerda do Comitê Central do PCB, denominada de Corrente Revolucionária, que defendia a preparação para a luta armada. A luta interna resultou na Formação do PCBR - Partido Comunista Revolucionário, cujo Comitê Central Apolônio integrou, ao lado dos jornalistas Mário Alves e Jacob Gorender, entre outros.

Em 1969, com 58 anos de idade, Apolônio foi preso e resistiu à prisão e às torturas. Em 1970 foi incluído numa lista de presos políticos libertados em troca da liberdade de um embaixador seqüestrado. Da Argélia passando à França, atua na fundação do Partido dos Trabalhadores, integra o seu Diretório Nacional e é eleito vice-presidente, ao lado do presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Somente por recomendação médica, na década de 90, Apolônio afastou-se da militância política intensa. E aí dedicou-se a escrever o seu livro de memórias, intitulado "Vale a Pena Sonhar", onde traça um largo painel da sua experiência política e faz o reconhecimento autocrítico dos erros coletivos e individuais de dogmatismo e estreiteza política, agitando as bandeiras da criticidade, do pluralismo, da flexibilidade política e do amplo trabalho de massas, como norteadores da luta pela democracia e o socialismo.

Falar de Apolônio de Carvalho, apenas, exaltando os seus feitos militares, a sua dedicação e o seu heroísmo diante dos torturadores, é retratá-lo com a face mutilada. A grandeza de Apolônio foi, exatamente, aliar a tudo isto uma elevada delicadeza, uma vasta coloquialidade, um jeito afetivo e atencioso de tratar, um espírito de confraternização permanente, traduzido em olhos atentos e espertos de quem está sempre com um cálice imaginário na mão, pronto para levantar um brinde às coisas boas e belas da vida. Talvez por tudo isto, o seu grande amigo, o ator, o escritor e compositor Mário Lago tenha dito que Apolônio não era um homem: era um anjo. E para não deixar de falar dos seus defeitos, vão aqui dois deles: era um entusiasta exagerado e transmitia largamente, sem nenhum cuidado, o vírus da esperança.

Publicado em La Insignia. Brasil, 24 de setembro.

Nenhum comentário: