domingo, 7 de setembro de 2008

Pós-Moderna Escravatura

Marcelo Mário de Melo

De vez em quando, ouvimos representantes das nossas classes dominantes desfiando as suas queixas, quando dizem ameaçadas as suas taxas de lucro e de juros, o que atribuem à “gula do desenvolvimentismo populista”, ao “democratismo” e ao “protecionismo social”. A isto acrescentam a “sacralização do meio-ambiente”, limitando as possibilidades de expansão dos empreendimentos econômicos. Feitos em linguagem bem comportada, esses reclamos, de fato, ocultam a insatisfação visceral de quem se liga à tradição do escravismo colonial brasileiro, ainda latente no nosso capitalismo clientelista e na nossa república cortesã, calejada em construir simulacros de representação civil, democracia, diálogo e consenso.

Ante esta realidade, decidi formalizar as análises e as propostas que essas representações latejam nos seus porões, gostariam de fazer e não fazem. O leque se abre nos terrenos econômico, social, político e institucional. Vamos a ele.

O estado de coisas atual, em perspectiva, leva a uma natural inibição dos investidores e provoca resultados sociais que não poderiam ser piores e estão à vista de todos, como o desemprego, a fome, a miséria, as doenças, a favelização, os meninos de rua, a mendicância e a violência. Este paradigma, além de desagregar a economia e as estruturas sociais, tem um elevado poder de desestabilizar as instituições e provocar convulsões na área política.

Estamos diante do famigerado custo social, um autêntico custo malefício e verdadeiro pesadelo para o alto patronato.E não adianta alimentar ilusões desenvolvimentistas de fazer “o bolo crescer” para melhor dividi-lo e superar no futuro tais problemas, porque, mantendo-se os atuais condicionantes, o resultado final, a longo prazo, será sempre o mesmo.

Para sair desse beco sem saída é preciso ir até as raízes do mal, arrancar as ervas daninhas e lançar as sementes de um novo modelo econômico, que favoreça os investimentos e permita a reorganização da vida nacional nos terrenos social e político. O país que tiver a ousadia de promover tal experiência estará dando uma contribuição pioneira para a superação da crise mundial em que a humanidade se encontra mergulhada neste terceiro milênio.

Fazendo um recuo histórico no Brasil, localizamos o início do problema com a abolição da escravatura, que, sem nenhuma indenização, expropriou os senhores de escravos da sua mão-de-obra falante. Daí surgiram a massa dos excluídos, as favelas e os mocambos. Seguiram-se a legislação trabalhista para os trabalhadores urbanos, que se estendeu ao campo; a aposentadoria e os demais benefícios da previdência social, como licença-maternidade (e até paternidade!), o seguro-desemprego e toda a gama de irradiações consolidadas na Constituição de 1988, destinando-se a idosos, portadores de deficiência, afro-descendentes, índios, crianças e outros segmentos.

Para romper com este paradigma, o primeiro passo é revogar a abolição da escravatura, cortando o mal pela raiz e iniciando uma nova semeadura econômica, política e social. A retomada do trabalho escravo afirmaria o papel estruturador da senzala, que hoje poderia ser instalada com recursos muito mais modernos em matéria de vigilância e controle ostensivo e preventivo sobre os escravos e as tentações quilombistas.

Com as senzalas urbanas e rurais desapareceriam os problemas de desemprego, habitação popular, favelização, malandragem, meninos de rua, velhice desamparada e violência. Todos teriam trabalho, comida, moradia e uma área de circulação delimitada. O que, naturalmente, desafogaria o fluxo humano das cidades e reduziria, na mesma proporção, os índices de violência.

A nova escravatura pós-moderna eliminaria radicalmente o substrato racista que marcou o escravismo colonial brasileiro, pois nela seriam democraticamente considerados escravos, sem discriminação pela cor da pele ou a etnia: todos os desempregados, aqueles que não pudessem quitar suas dívidas. Os trabalhadores livres seriam admitidos e demitidos sob o livre critério dos patrões, completamente liberados das amarras atuais da legislação trabalhista e da seguridade social.

Como medidas complementares seriam adotadas a esterilização obrigatória para os desempregados e detentores de renda individual abaixo de cinco salários mínimos, a redução da idade penal para 14 anos, a autorização do duelo entre os pobres, os campos de concentração e os trabalhos forçados, a pena de morte, a eutanásia a critério do patrão ou senhor de escravos, a eliminação física periódica dos incapazes para o trabalho, a utilização alimentar da carne de escravos e a proibição das cartas de alforria. Esta última medida evitaria fissuras na ordem escravocrata, a partir de possíveis envolvimentos de senhores sentimentais com demandas advindas das senzalas.

Para consolidar esse processo no terreno jurídico-político, deveria ser restaurada a monarquia absoluta, com o respiradouro de um novo poder moderador, capaz de disciplinar e diluir as inevitáveis e lamentáveis disputas políticas. Nesse arcabouço, os não-escravos seriam considerados cidadãos e poderiam ser ouvidos democraticamente, de dez em dez anos, em pesquisas de opinião que serviriam de subsídio aos mandatários.

Sem hipocrisia e olhando de frente a realidade, é preciso adotar este caminho. Porque, com as limitantes taxas de lucro atuais, as constantes ameaças aos juros bancários, as insensatas benesses sociais e a abusiva libertinagem política travestida de cidadania, não se pode conquistar a exclusão social sustentável. E sem ela, convenhamos, não há capitalismo que agüente

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