domingo, 21 de setembro de 2008

A Hora e a Vez da Economia da Cultura

Marcelo Mário de Melo

Os estudos sobre a economia da cultura tiveram início nos Estados Unidos nos anos 1960. Na década de 1970 a Unesco convocou os seus membros a produzirem estatísticas sobre cultura e a França foi um dos primeiros países a tomar a iniciativa. No Brasil, o primeiro grande estudo sobre o assunto surgiu com Celso Furtado á frente do ministério da Cultura, que encomendou pesquisa ao Instituto João Pinheiro dando conta do peso da cultura no Produto Interno Bruto e na balança comercial.

Na pré-história dos estudos e dos debates sobre a economia da cultura no Brasil, vale ressaltar a cobrança por eles nos encontros e documentos culturais de Pernambuco a partir de 1985, ao lado da reivindicação do Cadastro Cultural do Estado. Nas perdas e ganhos assinale-se, na gestão de Nailton Santos á frente da Sudene, durante do Gpoverno Sarney, no ano de 1977. a constituição do Grupo de Política Cultural - GPC, coordenado por Janice Japiassu, que promoveu a realização do I Encontro Nordestino de Política Cultural, em cujas resoluções se colocava a necessidade dos estudos de economia da cultura. Com a eleição de Collor, o GPC foi deletado e tudo voltou a estaca zero.

No Governo de Miguel Arraes (1989-90), com Tarcísio Pereira á frente da Fundarpe, o poeta-sociólogo Alberto da Cunha Melo coordenou a pesquisa de campo do projeto-piloto do Cadastro Cultural de Pernambuco no município de Caruaru, extensiva á área rural e incluindo um item sobre a participação da atividade cultural na renda familiar, sendo cadastrados em torno de 1.400 produtores culturais da cidade e dos sítios. Esse trabalho foi abandonado pelo governo seguinte e nunca mais sendo retomado, inclusive, nas duas posteriores gestões de Arraes. Na década de 90 também foram realizados o Censo Cultural do Ceará (1992), o Guia da Produção Cultural da Cidade do Rio de Janeiro (1993) e o Guia Cultural da Bahia (1998), indicando apenas equipamentos culturais disponíveis, calendário de eventos e lista de produtores culturais nos diversos segmentos, sem nenhuma informação de caráter ecionõmico.O Cadastro Cultural do Recife, elaborado em 2004, seguiu esse modelo.

Parcerias e produtos - Mas como planta insistente brotando no concreto, a questão da economia da cultura foi avançando no Brasil, com o estímulo das correntes internas e sob a influencia decisiva dos encontros e resoluções da Unesco, que colocaram em pauta a questão do desenvolvimento cultural e a necessidade de se elaborarem os indicadores de desenvolvimento relacionados á cultura. O passo importante neste sentido foi a realização em agosto de 2002, na Fundação Joaquim Nabuco, do Seminário Internacional sobre Políticas Culturais para o Desenvolvimento – Uma base de Dados para a Cultura.

O documento A Imaginação a Serviço do Brasil – Programa de Políticas Públicas de Cultura, do qual sou signatário, que serviu de inspiração ao Governo Lula e é assumidamente marcado pelo pelas diretrizes constantes do Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento da Unesco, possui no arrazoado um item denominado Cultura como ativo econômico. E nas propostas, no título Economia da Cultura, está inscrito: “implementar, juntamente com o IBGE, IPEA, secretarias estaduais e municipais de cultura, instituições culturais, associações e sindicatos, uma Rede de Informações Culturais voltadas para a produção sistemática de dados culturais (censo cultural, dados estatísticos e constituição de um banco de dados integrado que de suporte á ação do Estado, da sociedade e do mercado”.

A primeira conseqüência desse alinhamento político-cultural foi a assinatura, EM 2004, do Convenio entre o Ministério da Cultura, o IBGE e o IPEA, retomando o trabalho do Seminário de 2002, inclusive com a mesma equipe, para gerar informações relacionadas ao setor cultural, construir indicadores, culturais, fomentar estudos, pesquisas e publicações. O resultado concreto foi o Sistema de Informações e Indicadores Culturais, publicado em finais de 2006, que está disponível nos sites do IBGE e do Ministério da Cultura, podendo também ser adquirido em CD-ROOM

O que é a coisa - As informações culturais foram construídas a partir do cruzamento de dados recolhidos em pesquisas já realizadas pelo IBGE: Censo Demográfico, Amostra de Domicílios, Economia Informal, Orçamentos Familiares, Padrões de Vida, Pesquisa Mensal de Emprego, Informações Básicas Municipais, Cadastro Central de Empresas, Pesquisas Anuais Serviços, Industrial-Empresa e Industrial-Produto.

Foram estudados os segmentos culturais para os quais não há nenhuma duvida sobre o seu enquadramento no guarda-chuva da cultura, como edição de livros, jornais, revistas e periódicos; rádio, televisão, teatro, música, bibliotecas, arquivos, museus, atrimônio histórico. Compondo uma “zona cinza”, segundo declarou a pesquisadora do IBGE Cristina Pereira de Carvalho Lins, no Seminário Internacional de Economia da Cutura realizado na Fundação Joaquim Nabuco no ano passado, foram incluídas “as atividades de comércio atacadista de equipamentos de informática e de telecomunicações, atividades de processamento de dados etc, para as quais nem sempre está explícita a associação com o setor cultural”

Vale salientar a importância da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Municipal, realizada em 1999 e 2001, voltada para a identificação e a quantificação dos equipamentos culturais, considerando 17 tipos: biblioteca pública, museus, teatros ou salas de espetáculo, cinemas, clubes e associações recreativas, estádio ou ginásio poliesportivo, banda de música, orquestra, vídeo-locadora, livraria, loja de discos, CDs e fitas, shopping-center, estações de rádio AM e FM, unidades de ensino superior, geradora de TV e provedor de internet.

Além das leis de incentivo - Paralelamente ao domínio das informações e ao estabelecimento de indicadores específicos, a discussão cultural começa a sair do beco estreito das leis de incentivo e do marketing cultural. Internacionalmente se coloca em questão as potencialidades da economia criativa como fator de desenvolvimento, em relação com a sustentabilidade, e a criação de ambientes favoráveis á expressividade, á informação e á difusão da cultura. E no país se realizam inúmeros estudos e pesquisas sobre cadeias produtivas na área da cultura, merecendo destaque o trabalho de Luiz Carlos Prestes Filho sobre a música no Rio de Janeiro. Aqui em Pernambuco, no rol mais recente das perdas e ganhos, pesquisa sobre o mesmo item, coordenada pelo Centro Josué de Castro, foi interrompida por falta de recursos. Mas no contraponto, a Fundação Joaquim Nabuco realizou um Seminário Internacional sobre Economia da Cultura, cujas palestras estão disponíveis no seu site, e que vai gerar livro e DVD. E também deu início ao curso de pós-gradução em Economia da Cultura, em parceria com a UFRS.

Tudo isto vem colocar a necessidade de se reformularem as políticas culturais, que devem ser tratadas como políticas de estado. Que rompam com a visão segmentada, individualista, eventualista e marcada pelas urgências do “balcão de atendimento, a critério do arbítrio todo-poderoso dos gestores. Que incorporem a ótica das cadeias produtivas. Que estabeleçam as responsabilidades específicas do Município, do Estado e da União, a exemplo do que ocorre nas áreas da Educação e da Saúde. Que formulem qual o perfil da rede de equipamentos básicos de cultura sob a responsabilidade de cada uma das instâncias federativas. Que estabeleça planos a longo prazo para que essa rede básica seja implementada.

Embora se constatem avanços, o Brasil ainda continua sob o império das leis de incentivo e do marketing cultural, tomados como os centros da questão econômica. Sem se considerar a importância indutora do Estado no processo econômico, e não somente indutora, se considerarmos que o MEC realiza o maior programa de compra de livros didáticos (e não só didáticos) do mundo, sendo o principal comprador e sustentáculo da indústria do livro. Considere-se também que formar mercado, no que diz respeito á economia da cultua, significa formar platéias, facilitar o acesso a bens culturais, a expressividade artística das comunidades, o amadorismo e os programas de formação no segmento. O que remete para a interligação entre educação e cultura e a necessidade de manter uma rede de equipamentos culturais públicos.

Mas apesar dos novos conhecimentos estatísticos, as políticas culturais ainda continuam marcadas pelos recursos orçamentários despendidos, majoritariamente, no calendário de eventos., e não na rede de equipamentos bascos. Para checar, basta tomar como exemplo a Prefeitura mais próxima.
Publicado na revista Continente Multicultural, PE, 2007

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