domingo, 21 de setembro de 2008

Inversão de Prioridades

Marcelo Mário de Melo

“Resgate” chegou e nunca mais saiu da moda, passando a fazer parte dos apetrechos básicos dos ativistas da casa grande e da senzala, assim como a agenda, a caneta e o telefone celular. “Empreendedorismo”, “protagonismo”, “holístico” e “sinergia” já têm os seus lugares garantidos. Agora, “ inversão de prioridades” também procura ocupar uma cadeira central nos salões da fala, olhando para “empoderamento”, situado algumas filas atrás. Preocupado em que não se use o seu santo nome em vão, teço aqui algumas considerações sobre o sentido exato da expressão “inversão de prioridades”, temendo a sua utilização meramente retórica.

Inversão, no contexto da discussão política, significa o oposto, o contrário. Prioridade, segundo o Dicionário Aurélio, quer dizer “qualidade do que está em primeiro lugar ou do que aparece primeiro, primazia”.Dar prioridade a uma coisa é, simplesmente, fazer mais por ela e colocá-la na frente.Mas inverter prioridade significa ir além disto. É fazer muito mais, ou o contrário do que se vinha fazendo.É dar uma virada total. E como estamos tratando de uma inversão de prioridades no uso da máquina estatal e na gerência de políticas públicas, é interessante procurar decompor o conceito nas suas partes constitutivas, como se abríssemos o saco para verificar o que existe dentro. Mãos à obra, portanto.

Vamos estabelecer que, em termos de ação governamental, dar prioridade a uma coisa é dedicar a ela muito mais tempo e recursos - financeiros, materiais e humanos. A partir daí, e considerando que a prática é o critério da verdade, podemos concluir que, quem agir assim, estará fazendo inversão de prioridade, e quem não o fizer, não estará. Como se vê, a inversão de prioridades, como diretiva para uso imediato, é gulosa, radical e sem meio termo.

Para quem se sentir surpreendido e acuado por tal radicalidade, há uma opção: deslocar a inversão de prioridades do campo da ação executiva imediata para o território mais longínquo do objetivo a ser atingido. Aí então, respira-se com mais tranqüilidade o tradicional e se pode conduzir o barco, com remadas leves, para o horizonte da inversão das prioridades, a ser atingido um dia. Fica presente o risco assinalado nos versos do poeta Ângelo Monteiro: “O amanhã não é terça, não é quarta, não é quinta: é uma aurora sempre extint...

A relativização do conceito obriga a que se o veja em processo, sujeito a fases, que estabelecem marcos na trajetória.Três delas podem ser identificadas.

1 – Meação de prioridades – É quando se investe tempo, recursos materiais e humanos no novo, numa proporção de 50%. Caracteriza o conservadorismo progressista, uma vez que, embora se alarguem os investimentos no que deve ser invertido, dá-se um tratamento igualitário ao atraso e ao progresso, mantendo estacionária a gangorra.


2 – Inclinação de prioridades – É quando se aplica até 70% no novo, mantendo-se, ainda, 30% de investimentos no velho. Caracteriza o progressismo moderado, porque já se conseguiu inclinar a gangorra no sentido da inversão, mas ainda se faz ao lugar comum, percentualmente, uma significativa concessão.

3 – Inversão de Prioridades – É quando se consegue investir quase 100% no novo, encostando a gangorra no solo e deixando com as pernas penduradas no alto o pólo do atraso. Caracteriza o progressismo autêntico, radical ,literal, substantivo e, portanto, sem necessidade de adjetivos.

Para aqueles que tomam a inversão de prioridades como objetivo distante, é importante situar precisamente, no tempo, as três fases do processo – a meação, a inclinação e a inversão - , para que elas possam ser trilhadas e concluídas nos prazo pretendidos. Sem isto, pode-se cair na situação retratada na música de Chico Buarque: “ ...o tempo passou na janela e só Carolina não viu”






Nenhum comentário: