domingo, 21 de setembro de 2008

À Esquerda e em Frente

Marcelo Mário de Melo

Discordo da opinião de que Lula já cansou, de que votar em Lula pela terceira vez foi demais, e de que, na próxima eleição presidencial, terá que ser lançado outro nome. Cansou mesmo? Terá mesmo? O fato é que, em termos quantitativos e qualitativos, a esquerda brasileira veio avançando eleitoralmente com Lula, nas três últimas campanhas presidenciais. E uma quarta candidatura de Lula não deve causar nenhuma preocupação especial. François Miterrand, na França, e Salvador Allende, no Chile, ganharam na quarta tentativa. Até essas vitórias, aqueles dois países vinham vivendo processos de normalidade institucional. Como no Brasil tivemos o período prolongado de ditadura, podemos dar uma carência democrática e continuar tranqüilos, acumulando forças com Lula em campanhas presidenciais futuras. Isto, sem nenhuma adoração obreirista ou partidária por Lula. Simplesmente, porque ele tem sido aquele representante da esquerda que vem agregando o maior volume de forças e de votos no embate eleitoral com a direita.
Se amanhã aparecer na esquerda um candidato - ou uma candidata - com possibilidade de melhor desempenho do que Lula, que se pense em substituí-lo. Mas que se pense dez vezes. Porque o peso eleitoral que Lula hoje concentra é o resultado do investimento num projeto político que já começa a contar décadas e vai avançando por cima de pau e de pedra. E convém não atirar fora a criança, junto à água da banheira. Aos que pretendem continuar caminhando com mais profundidade e amplitude, é importante não permitir que se desmonte o palanque de Lula de maneira inconseqüente. Isto porque, o eleitorado brasileiro vem reafirmando o nome de Lula como um importante segundo colocado na disputa à presidência. E é preciso ser responsável na estratégia eleitoral.

Também não é aceitável a rejeição a Lula, nem o clima de desânimo, a partir das derrotas eleitorais passadas. Afinal de contas, uma eleição perdida, por mais importante que seja, não é o fim do mundo. O processo político, ou o processo histórico (lembrai-vos dele!), é muito mais abrangente . E para o militante de esquerda, é de extrema importância psicológica assimilar a diferença e a contradição insolúvel entre os prazos da biografia individual e os prazos do processo histórico. Os primeiros, contados ano a ano. Os segundos, medidos por décadas e séculos. Sem essa postura, a participação política é tomada como se as suas curvas corressem mais ou menos paralelas aos ciclos da vida do indivíduo. Encaram-se conjunturas e campanhas com o espírito dos investimentos a curto prazo. Ou das corridas de cem metros rasos. E tudo vai bem, enquanto as situações são mais ou menos favoráveis. Mas nos momentos de derrota ou descenso, o risco é predominar o clima dos Quatro D: Desencanto, Desinteresse, Desmobilização e Decadência. A escala pode variar de A a Z, ou exigir a recorrência aos números negativos, geralmente necessários em casos de mudanças de lado e adesões ao bloco dominante, por parte dos que formam a esquerda de quem vem, direita de quem vai, cujo símbolo é um camaleão com fita adesiva.

Com relação à candidatura de Ciro Gomes, o ideal é que ela assuma, de fato, uma característica de centro-esquerda, e não de nova alternativa à direita, segundo o modelo já exercitado em dose dupla, através da aliança PSDB-PMDB-PFL, em torno do nome de Fernando Henrique Cardoso. Uma candidatura de esquerda, uma de centro-esquerda e uma de direita, poderão representar um importante avanço político no Brasil, trazendo também mais complexidade e sutileza ao processo eleitoral. E aí, aumentam os desafios à sabedoria política das forças organizadas em torno da candidatura de Lula, que precisam saber articular muito bem os elementos flexibilidade e firmeza.

As questões de estratégia e tática não podem ser tratadas pela esquerda brasileira com imediatismo e primarismo. No caso, os buracos são muitíssimo mais em baixo, sendo conveniente identificá-los e tapá-los, porque muita água vai passar pela ponte. E muita água poderá, ainda, minar para o barco da esquerda e do povo.
Publicado no Jornal do Commércio, Recife-PE

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