domingo, 7 de setembro de 2008

Imprensa Burguesa

Marcelo Mário de Melo


Se falarmos em “indústria burguesa”, “agricultura burguesa”, “comercialização burguesa”, “finanças burguesas” etc, as reações são normais. Mas se nos referirmos a “imprensa burguesa”, o mundo desaba e se instala um clima de ressentimento e ofensa mais eriçado do que quando se ultraja o time de futebol, a religião ou a mãe do circunstante. Já é tempo de se pôr um pouco de racionalidade neste particular, aliviando a carga e abrindo os olhos dos que, utilizando-se da expressão, procuram ofender, e daqueles que se sentem ofendidos por ela.

Ora, vivemos num sistema capitalista, onde predomina a propriedade privada dos “meios de produção”, num sentido amplo, envolvendo a indústria, a comercialização, as finanças, os transportes, a educação, a saúde e os serviços em geral, corporificados na entidade empresa. Sendo assim, e naturalmente, tudo o que é empresarial é capitalista e burguês, independentemente de ser de pequeno, médio ou grande porte. O dono de uma rede de supermercados e o barraqueiro da esquina estão perfeitamente inseridos nas cadeias produtivas do sistema capitalista e burguês. Sem nenhuma ofensa. O nível de renda e o status de cada um são outra história.

No Brasil e no mundo, os órgãos da mídia não fogem a esta regra: jornais, rádios, revistas, televisões, agências de publicidade, assessorias. Ou são estatais, regidos pelas regras do serviço público, ou são comunitários, ligados a alguma entidade civil sem fins lucrativos, ou constituem empresas e, portanto, são genuinamente capitalistas e burgueses.Trata-se de uma realidade inerente ao sistema capitalista existente e dominante. Portanto, não há nenhum sentido em se querer depreciar um veículo da imprensa burguesa denominando-o como tal, nem também é razoável os representantes do veículo se sentirem ofendidos se ele for assim epigrafado. Afinal de contas, não pode ser ofensivo chamar alguém pelo seu nome.

Para firmar o caráter burguês dos órgãos de imprensa, basta assinalar neles a condição de empresas privadas, compostas por empregador e empregados, regidos pela legislação trabalhista. Posta esta realidade, em lugar dos anátemas morais, trata-se de discutir quais os limites e as regras que se pode e se deve impor ao jogo do capital na esfera da mídia, considerando os interesses coletivos e o refinamento dos padrões civilizatórios. E partindo-se das experiências mais avançadas que vigoram em outros países capitalistas.

Estamos, portanto, no território de uma Lei de Imprensa, que ainda não foi produzida no Brasil capitalista, além daquela editada em 1967 pela Junta Militar que sucedeu no poder o General Arthur da Costa e Silva, nos tempos da ditadura e marcada pela deformação da censura. Assim como a legislação que rege o Sistema Único de Saúde e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, precisamos de um instrumento legal que estabeleça os direitos e deveres da imprensa em geral – estatal, comunitária e burguesa, nas suas relações com o público leitor, como ocorre nos países capitalistas mais desenvolvidos.

Sendo socialista, não acredito em soluções estruturais para a humanidade nos marcos do sistema capitalista. E também não creio nas vias intentadas pelo modelo do chamado socialismo real. Assim, tudo o que proponho nos quadros do atual regime se situa no âmbito de uma política de redução de danos e acumulação de forças políticas e culturais, numa disputa que se coloca em prazos históricos de décadas ou séculos, e diante da qual estou serenamente posicionado, até os presumíveis 99 anos de vida. Salvo a interrupção indevida decorrente do mal súbito, do acidente de trânsito ou do bandido da esquina.

Precisamos de uma lei de imprensa democrática, com o foco no público e na qualidade da informação. Que ponha limites aos abusos do poder econômico, do oficialismo, da politicagem eleitoreira, do corporativismo, da pelegagem comunitária e de outras deformações que corrompem a liberdade de imprensa no Brasil. Já temos uma massa crítica acumulada e Projetos de Lei engavetados, capazes de permitir uma melhora substancial sobre os padrões atuais.