segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ser Radical

Marcelo Mário de Melo

Erradamente, são chamados de radicais aqueles que assumem atitudes intransigentes, bitoladas, inflexíveis, fanáticas, e são imunes a tudo o que signifique diferença, diálogo, negociação, transição. Estes, na verdade, são os sectários, marcados pelo estreito e fechado espírito de seita. Radicalidade não tem nada a ver com isto. Radicalidade é tomar as coisas pela raíz”, como disse Karl Marx, acrescentando que, “para o homem, a raiz é o próprio homem”.

Não é radical aquele que, tendo de arrancar uma planta danosa, investe contra ela furiosamente, desfechando golpes na folhagem e cortando-a no caule. Será, apenas, primário, grosseiro e superficial. Radical é aquele que aprofunda uma escavação, arrancando a planta pela base, sem deixar qualquer possibilidade de renascimento. Para tanto, consumirá tempo recolhendo terra, cascalhos e pedras. Até deixar as raízes expostas e sem sustentação.

Pode-se ser radical e manso, assim como se é superficial e ruidoso. O tonel vazio, sem conteúdo, rolando na ladeira, leve, saltitante e barulhento, pode se desviar da sua marcha ao contato com qualquer objeto. Ao contrário do tonel cheio, substancioso, pesado, seguro e silencioso, atravessando os obstáculos à sua frente.

Na agricultura, em lugar de lançar sementes ao vento, esperando que elas floresçam por conta própria, é mais acertado – e mais radical - plantar com cuidado sementes selecionadas e acompanhar o seu enraizamento. Falando de estratégia e tática militar, Mao-Tsé-Tung dizia que mais importante do que ferir os cinco dedos da mão de um inimigo é arrancar-lhe apenas um. Cristo foi radical quando instou os hipócritas a atirar a primeira pedra, desde que nunca tivessem pecado. Herodes foi radical quando partiu para degolar todas as crianças pequenas, temendo a chegada do Messias.Podemos ser radicais para o bem e para o mal, para plantar e erradicar, edificar e demolir, amar e desamar, guerrear e fazer a paz.

Quando secretário de saúde em Bauru e em Santos, o médico sanitarista e comunista David Capistrano Filho, entre outras medidas de maior ressonância, foi radical quando exigiu que as salas, os banheiros e as cozinhas das unidades de saúde fossem rigorosamente limpos. E também que os funcionários tivessem uma aparência saudável: não podiam ser desdentados, ter “panos brancos” e roupas mal-cheirosas e descuidadas. Zelando pela saúde, exigiu limpeza indo até as raízes.

Constantemente, observamos atitudes radicais nas coisas simples do dia-a-dia. Uma criança é radical quando tem fome e chora, comunicando com exatidão o que precisa. A lavadeira é radical quando pega a roupa suja e a deixa lavada e passada no cabide. Um professor é radical quando prepara uma aula forçando os limites do seu conhecimento. Um leitor é radical quando lê um livro anotando as palavras que desconhece, relê o que não entende e faz uma revisão geral depois de concluída a leitura.Um poeta é radical quando cavalga uma vivência e a conduz ao território do poema. O olho no olho, a lágrima que desce, as mãos que se tocam, o beijo, o abraço, são expressões radicais. Somos radicais quando expressamos o mais fundo dos nossos sentimentos.Todas as obras e atitudes concluídas são radicais.A radicalidade é substantiva, irmã da coerência e inimiga da superficialidade.

Seria muito bom que essas radicalidades se expandissem para esferas mais amplas da vida social.Ao contrário do que erroneamente se propala, o mundo tem uma grande carência de atitudes, medidas e pessoas radicais. Pessoas que não sejam um “sempre cauteloso pouco a pouco”, como o burguês do poema de Mário de Andrade. Mas pessoas que desçam às raízes das coisas. Que tenham atitudes inteiriças, agregadoras e ousadas. Que não fiquem no meio do caminho e saibam concluir suas obras.

Essas pessoas são necessárias, principalmente, no terreno das atividades políticas, tão inflacionado por performances e simulacros de radicalidade. Meros esbravejamentos, que agridem as folhagens e os caules e não se inclinam a escavar com persistência em torno das raízes das plantas venenosas. Nem se propõem a selecionar sementes, plantar, regar e cuidar para o florescimento e a frutificação saudável.

E para refletir sobre o justo equilíbrio entre radicalidade e realismo, a advertência de Lênin: “devemos ser tão radicais quanto a própria realidade”.

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