domingo, 21 de setembro de 2008

Os Roteiros de Apolônio de Carvalho

Marcelo Mário de Melo

O livro de memórias de Apolônio de Carvalho, Vale a Pena Sonhar, representando mais uma contribuição à avaliação da prática da esquerda de inspiração socialista, trás o interesse especial da sua abrangência histórico-política, pois o autor, personagem central da narrativa, não teve uma atuação limitada ao território brasileiro.
Tenente em 1936, Apolônio se liga à Aliança Nacional Libertadora, é preso e tem a patente casada. Depois de cerca de um ano entre a Casa de Detenção e a Casa de Correção, no Rio de Janeiro, sendo companheiro de cela de Graciliano Ramos e Apparicio Torelly, o Barão de Itaraé, é libertado e segue para Espanha, integrando-se nas Brigadas Internacionais, que ao lado da república, combatiam as tropas franquistas. Como oficial de artilharia, Apolônio exercer funções de comando até a derrota final das forças republicanas.
Num momento seguinte ele foge de um campo de refugiados, na França, e se integra à resistência contra o nazi-fascismo, destacando-se como responsável militar da região sudeste e comandante da zona sul. Sob seu comando se deram as libertações de Carmaux e Albi e Toulousse.

No Brasil Apolônio foi presidente da União da Juventude Comunsita, loogo fechada, seguindo-se a cassação do registro do PC, EM 1947. Vive um novo ciclo de clandestinidade,passando à semilegalida, iniciada na “era JK” e encerrada com o bolpe de 1964. Nos idos do golpe ele é membro do comitê central do PC, articula-se na chamada “Corrente Revolucionária” do partido, participa da fundação do PCBR – Prtido Comunista Brasileiro Revolucionário e é eleito o seu secretário-geral, em 1968.
Em 1970, aos 58 anos, é preso, resiste à prisão e às torturas, impondo o respeito nos porões da repressão. Meses depois, juntamente com um grupo de presos políticos, é trocado pelo embaixador alemão seqüestrado por uma organização revolucionária, seguindo num vôo para a Argélia e se transferindo para a França. Na volta ao exílio, Apolônio se incorpora á formação do Partido dos Trabalhadores e é eleito seu vice-presidente. Em 1985, por recomendação médica, afasta-se da direção do PT.

É seguindo essa trajetória que se desenrola a narrativa de Apolônio de Carvalho, num texto em que a reafirmação do antigo sonho socialista não se fecha ao espírito crítico sobre as posições políticas de partidos e tendências da esquerda, nem às suas próprias posturas individuais, diversas vezes classificadas como marcadas pelo dogmatismo e a confiança cega nas instâncias partidárias superiores.

O Vale a Pena Sonhar sugere vários roteiros. Um deles é o da história de amor entre Apolônio e Rennée, sua companheira, pertencente a uma família de comunistas franceses, atuante na juventude comunista e na resistência ao nazi-fascismo. Eles se conheceram dm 1942, connstruiram um amor nas trincheiras, firmaram-se como casal, tiveram o primeiro filho durante a segunda guerra mundial e escreveram uma história de conciliação entre a luta popular e o leito copular.

As memórias de Apolônio de Crvalho, hoje com 85 anos, passam uma atmosfera de objetividade e viço que constitue uma difícil linha divisória entre o tom bombástico e apologético das “testemunhasde Jeová” da política e a cantilena sado-masoquista dos socialistas ou ex-socialistas globalizados e desencantados.

Diário de Pernambuco, Recife, 1997

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